Tinha os olhos profundos, com pequenos relâmpagos a denunciar a
ansiedade em que estava. Era mãe e sentia-se impotente para controlar as coisas
que a vida lhe estava a trazer. Ouvi-a, só a podia ouvir. E enquanto ouvia
revi-me na minha infância em consultas intermináveis com o Dr. Pedro Lisboa,
que eu achava que era um monstro porque dizia que eu tinha que levar uma pica
todos os dias! E levei mesmo, durante anos levei a tal pica que o monstro mandava.
A menina também precisava
de uma pica todos os dias! Tinha nome de flor e um sorriso doce que não
ofuscava o ar determinado em ser uma criança como todas as outras. Mostrou-me
uma caneta que usava para esse efeito, um pequeno aparelho discreto,
completamente diferente da caixa metálica e seringa de vidro que eu tive.
Mostrou-me os seus registos médicos num apelo à minha confiança. E conquistou-a
porque reconheci a determinação férrea de quem fará o que tiver que ser.
Não falei muito, nem com a mãe, nem com a flor... Não foi preciso, nem nunca lhes contei a minha história. Apenas estive
presente. Apenas estive genuinamente interessada. Talvez seja a energia que emanamos, talvez seja apenas
saber escutar, mas vi os relâmpagos do olhar esmorecerem, e apagarem-se.
Dizem que não encontramos ninguém na vida por acaso. Talvez seja
mesmo verdade. Estas duas estranhas relembraram-me uma batalha que lutei e
venci. E tenho a certeza que por isso mesmo lhes consegui levar um laivo de esperança
e o de calor humano que precisavam naquela fase de vida.
Não nos conhecíamos, não sei se nos voltaremos a cruzar. Mas por
momentos fomos as pessoas certas no momento certo. Vidas cruzadas por acaso… ou
talvez não.
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