quinta-feira, 28 de junho de 2018

Caminhos Cruzados



Tinha os olhos profundos, com pequenos relâmpagos a denunciar a ansiedade em que estava. Era mãe e sentia-se impotente para controlar as coisas que a vida lhe estava a trazer. Ouvi-a, só a podia ouvir. E enquanto ouvia revi-me na minha infância em consultas intermináveis com o Dr. Pedro Lisboa, que eu achava que era um monstro porque dizia que eu tinha que levar uma pica todos os dias! E levei mesmo, durante anos levei a tal pica que o monstro mandava.

A menina também precisava de uma pica todos os dias! Tinha nome de flor e um sorriso doce que não ofuscava o ar determinado em ser uma criança como todas as outras. Mostrou-me uma caneta que usava para esse efeito, um pequeno aparelho discreto, completamente diferente da caixa metálica e seringa de vidro que eu tive. Mostrou-me os seus registos médicos num apelo à minha confiança. E conquistou-a porque reconheci a determinação férrea de quem fará o que tiver que ser.

Não falei muito, nem com a mãe, nem com a flor... Não foi preciso, nem nunca lhes contei a minha história. Apenas estive presente. Apenas estive genuinamente interessada. Talvez seja a energia que emanamos, talvez seja apenas saber escutar, mas vi os relâmpagos do olhar esmorecerem, e apagarem-se.

Dizem que não encontramos ninguém na vida por acaso. Talvez seja mesmo verdade. Estas duas estranhas relembraram-me uma batalha que lutei e venci. E tenho a certeza que por isso mesmo lhes consegui levar um laivo de esperança e o de calor humano que precisavam naquela fase de vida.

Não nos conhecíamos, não sei se nos voltaremos a cruzar. Mas por momentos fomos as pessoas certas no momento certo. Vidas cruzadas por acaso… ou talvez não.

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