Já trabalho há tantos anos em
educação e sem dúvida hoje tive a experiência mais espetacular e
gratificante deste tempo todo. Aconteceu em sala de aula com uma turma
daquelas que oferece diariamente um verdadeiro desafio aos professores pelo
ambiente onde está inserida a escola, pelos comportamentos indisciplinados dos
alunos e pelos maus resultados escolares.
Confesso que quando me foi
alocada esta turma para desenvolver um programa de empreendorismo que explora a
localização de recursos naturais, como circulam entre os diferentes países e
como são gerados negócios que produzem bens e serviços para os consumidores,
fiquei assustada com tamanho desafio. Mas lá fui eu.
Na 1ª sessão caí ali de
paraquedas, correu razoavelmente mas fiquei impressionada com a falta de
conhecimentos destes alunos e com as suas posturas desafiantes em sala de aula.
Na 2ª sessão já sabia para o que ia. Adaptei o programa à realidade destes miúdos,
e até tive algumas boas surpresas porque conseguiram desenvolver tarefas mesmo
sem conseguir explicar porque as faziam. Deparei-me com imensas dificuldades de
expressão e autoestimas pelas ruas da amargura. Mas também encontrei um sentido
de lógica pratico elevado e fora do comum.
Hoje foi a 3ª sessão. O
programa era exigente e apelava a conhecimentos que pelo que me tinha deparado
nas sessões anteriores achei que os alunos não tinham. Preparei um Plano B. Se
não estiver a funcionar bem de uma maneira tentamos de outra.
Hoje tudo foi diferente.
Comecei a aula a dizer. “Bom dia. Hoje vamos apenas brincar!”. Eis que de fez
um silêncio absoluto, seguido de uma rapariga que contesta “Brincar? Nós não
vimos para a escola brincar!” Respondo “Sim mas hoje é isso que amos fazer, a
brincar a também se aprende” e comecei a distribuir material de um jogo em tudo
semelhante ao Trivial Pursuit. Dividi grupos, expliquei brevemente como se
jogava e deixei-os apenas com a frase “Quem conseguir ganhar um cartão de cada
cor, ganha o jogo!”
Em sala está comigo a
diretora de turma, que fica completamente estupefacta com a forma como os
alunos se empenharam, falaram uns com os outros sem as agressões habituais, e
até respondiam corretamente às questões dos cartões coloridos. Aos meus olhos parecia estar a acordar dum pesadelo de causa perdida.
Um aluno que já reprovou duas
vezes, que este ano letivo está em risco de chumbar por faltas, que deixa testes
quase em branco, ia respondendo invariavelmente corretamente às questões que
lhe iam saindo nos diversos temas. Foi o
primeiro a conseguir o leque completo de cartões coloridos. E foram-lhe
colocadas questões às quais nunca respondeu numa aula comum. Como é que este
aluno, que tem um historial escolar tão mau consegue num contexto diferente destacar-se
pela positiva?
Pergunto-me, que escola temos
nós que não chega aos alunos? Será que as avaliações têm
mesmo que ser testes? Hoje tive a prova
de que não, que por vezes é apenas preciso sair da caixa, fazer diferente,
criar contextos que permitam que o melhor se revele.