quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Recuperar o brilho

 


Estamos tristes, mas pomos um sorriso nos lábios, conversamos, rimos, relacionamo-nos, estudamos, trabalhamos, arrumamos a casa, fazemos compras.

Temos que ser fortes, uma vez e mais outra. Mesmo que isso exija um esforço fora do comum para não se desanimar. Mesmo que estejamos exaustos. Mesmo que por vezes nos estejamos a sentir à beira de um precipício.

É tão idiota isto, tão masoquista. Viramos-mos contra nós próprios.

Calamos, mas falam as dores de cabeça constantes.

Calamos, mas fala o fogo a arder dentro do estomago prenunciando uma gastrite.

Calamos, mas fica a angústia, a dor no peito, o nó na garganta e a lágrima pronta a sair.

Calamos, mas fala a insónia, as noites agitadas, os pensamentos acelerados.

Os dias sucedem-se sem descanso, numa espécie de indefinição e incerteza do lugar que ocupamos. Quem somos e porquê?!

Perdemos a vontade, perdemos a voz, e aguentamos, numa ténue esperança de que um dia se faça luz.

Mas que raio esperamos com isto? Reconhecimento? Consideração?

Tudo coisas que não se ensinam a ninguém… cada um por si, e talvez Deus por todos.

Há que aguentar, há que ser forte. Mais um dia e mais outro.

Até que não haver mais nada a dizer.

Até se atingir o auge da dor.

Até algo em nós se quebrar.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Ano "horribilis"

 

Chego a esta altura e como a maioria das pessoas faço um balanço do ano que está a finalizar. Tenho literalmente a sensação que o meu foi ano foi varrido por um furação, e que ao longo de meses estive agarrada às minhas pessoas para não ir com o vento. 


Dizem que a vida dá muitas voltas, e é verdade. Mas também é verdade que nas coisas nunca acontecem como pensamos que vão acontecer. E é verdade que nem sempre conseguimos perceber os desígnios da vida. 


2022, foi mais um ano horribilis na minha vida. Digo mais um porque anteriormente já tive anos assim, que me abalaram as estruturas, que me obrigaram a ir buscar forças às celulazinhas mais remotas que ainda existiam dentro de mim.  


E vou-vos dizer uma grande verdade, nós sofremos o triplo quando os nossos filhos são atingidos pelos furações que a vida vai trazendo. Quando somos obrigados a admitir que não temos superpoderes para os proteger das infâmias que a vida vai trazendo. Quando damos tudo de nós e ainda assim isso não é suficiente para lhes apaziguar o sofrimento. E um pouco de nós vai morrendo com cada lágrima que eles derramam. 


A vida é uma incógnita, tal como a morte. Vale pelo que fazemos dela. Pelas escolhas que fazemos. Pelas pessoas de quem nos rodeamos. Pelo amor que pomos em cada coisa que fazemos. E sem amor a vida é vazia, é apenas uma existência a fluir no tempo. 


A amor é como uma tatuagem, quando existe, está lá a sua marca, não se apaga, não é temporário, não foge, nem muda. Manifesta-se! O amor está naqueles abraços que nos dão calor e impedem o coração de parar, ou nas palavras de estima que nos moldam a identidade e alimentam a autoestima nos dias mais cinzentos.  


2022 foi um ano de revelações, muitas dolorosas, muitas inaceitáveis. Trouxe angústias e lágrimas, mas também muitas verdades. Transbordou aparências e fingimentos.   


2022 foi um ano de crescimento, de “abre olhos”, mas também de capacitação. 


Nada vai ser igual. 

terça-feira, 15 de março de 2022

A música que me acompanha no momento

A vida vai correndo, decidiu-se assim

As mãos envelhecendo, um sinal em mim

que já parece certo para deixa-lo ir

 

Mas queria que soubesse que passou em vão

O Outono, o Inverno, a Primavera, o Verão

E ontem foi esse ontem, quase que pareceu

 

E eu sei que nesse dia

Aquilo que havia

Morreu, não tinha salvação

 

A porta cá de casa

Em alto ecoava

E leu, todo o meu coração

 

E trago hoje o dia que me disse alguém

Se é para sofrer, deixa escrever e sem

Temer tudo que foi sentir-se uma vez

 

Perdida de amores, num lugar que me via

Esquecida pelas cores, duma tela antiga

Se é para ocultar, eu venho relembrar

 

Que eu sei que nesse dia

Aquilo que havia

Morreu, não tinha salvação

 

A porta cá de casa

Em letra ecoava

E leu, todo o meu coração

 

De Junho a Janeiro

Do meu ao teu correio

De quem eu sempre quis

E esteve por um triz

 

Do Porto a Lisboa

Num pássaro que voa

Foi longe que Deus quis

Que fosse por um triz

 


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Que nunca nos falte a voz


 Quando eu nasci as mulheres não votavam.

Lembro-me vagamente de ter acontecido a Revolução dos Cravos em abril de 1974. Não de pormenores desse acontecimento mas da minha mãe comentar que os militares andavam nas ruas sem perceber muito bem o que de facto estava a acontecer em Lisboa.

Mas este acontecimento, de que só tenho vagas memórias, venho alterar a minha existência enquanto cidadã e mulher. Só muito mais tarde percebi que se o mesmo não tivesse acontecido, entre muitas outras coisas, não teria a liberdade de estar aqui a escrever como estou, não poderia viajar sem autorização de pai ou marido, não poderia ter voz ativa, não poderia votar.

Também me lembro vagamente das primeiras eleições para a Assembleia Constituinte que ocorreu um ano depois. Lembro da importância desse dia, da minha mãe vestir um vestido e de eu vestir umas calças à boca-de-sino ao estilo dos ABBA, que eram a grande moda da altura. E lembro-me acima de tudo de sentir a importância dada a esse acontecimento que deu pela primeira vez voz às mulheres deste país. A história conta-nos que foram as eleições mais participadas da democracia portuguesa- 91,7%!

Eu própria votei pela primeira vez com 19 anos, e é de facto um marco da entrada na vida adulta. Admito que nem sabia bem o que estava a fazer, nem que ideologias pautavam cada uma das candidaturas, mas senti que tinha uma palavra a dizer! E ao longo dos anos nunca deixei de votar, ainda que nem sempre me identifique com algum candidato. Mas ainda assim, prefiro ser eu a optar do que deixar que outros escolham por mim.

Situações como a que está a acontecer no Afeganistão, em que às mulheres é atribuído uma importância inferior aos dos homens, em que os direitos de expressão são banidos, em que o voto e a escolha são vetados, deixam-me a pensar na fragilidade dos princípios de igualdade. Aparentemente vimemos num país que promove a mesma, mas ainda assim, considerou por exemplo necessário definir cotas para a participação das mulheres na vida politica! Pergunto-me se algum dia vão estabelecer cotas para religiões, raças, orientação sexual, etc. Confesso que cada vez que oiço aclamações de igualdade na campanha eleitoral que está a decorrer, ligo automaticamente os alarmes do contrassenso. 

Independentemente do género, cor, religião, orientação sexual, ou qualquer outra característica, somos pessoas. E é nisso está o amago da liberdade.

Que nunca nos falta a palavra.

Que aquilo que hoje assumimos como um direito adquirido nunca se desvaneça.

Que nunca nos falte a voz.

sábado, 18 de setembro de 2021

Tempo


 

O tempo é algo estranho.

Quando era miúda nunca mais chegava a crescida! Olhava para as pessoas com 35/40 anos e pensava “coitadinhos, tão velhos!”.

Depois fui passando pelo tempo e o tempo por mim. E percebi que a velocidade com que passava dependia de como me sentia feliz, triste, ansiosa ou qualquer outro sentimento que definisse o meu humor.

Ainda hoje penso “ainda falta um ano para algo acontecer”, como se esse algo estivesse a anos-luz. Mas também olho para trás e penso que poderia ter viajado numa máquina do tempo, porque cheguei aqui num ápice.

Quando olho para a minha filha, relembro os tempos que lhe dava colo e ela cabia aninhada nos meus braços, num encaixe perfeito como se fossemos legos do mesmo material. Hoje, já quase uma mulher, vejo nela um espelho daquilo que um dia fui, e não posso deixar de me intrigar como, sendo diferentes, somos tão parecidas. Um outro tempo, mas no mesmo comprimento de onda!

Não sei quanto tempo me resta, como aliás ninguém sabe. Mas se chegar velhinha, o meu desejo é de não perder a alma de menina e a capacidade de me surpreender com aquilo que o tempo me dá.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

22 Anos ao serviço da cidade




 

Há 22 anos iniciava uma jornada ao serviço da cidade de Lisboa. As minhas primeiras instalações foram no Martim Moniz, com vista para o Castelo de S. Jorge e para o Hotel Mundial, mas também para uma diversidade cultural enormíssima, que de alguma forma que começou a abrir horizontes. Entre os bairros históricos, as culturas locais, os emigrantes que procuravam uma vida melhor ou simplesmente sobreviver foi apreendendo as características desta cidade simultaneamente integradora e discriminadora.

Os anos foram passando, as experiências foram aumentando e o meu sentido de dever para com a cidade e as suas gentes também foi crescendo.

Depois passei a trabalhar com as escolas, um dos eixos da sociedade. Educar para melhorar o futuro das crianças, da família, da cidade e do mundo. Aprendi novamente a ver as coisas pelos olhos de uma criança, e o quanto tudo sabe melhor quando se põe o coração naquilo que fazemos.

Hoje, em data de aniversário do início da minha jornada ao serviço desta cidade, começo uma nova etapa que de alguma forma vem juntar os dois eixos das experiências que tive no passado.

Vinte e dois anos na “Mui Nobre e Sempre Leal Cidade de Lisboa".

 


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Eutanásia- no limbo da vida e da morte


Há um tempo uma grande senhora da política portuguesa disse-me "Nesta vida, tudo é política, até a forma como se nasce e como se morre. Ninguém diga que não gosta de política porque em toda a sua vida as decisões que enfrentar serão moldadas pelas leis que nasceram da política.”

Ontem foi aprovada a despenalização da Eutanásia em Portugal. Depois da despenalização do aborto, que maior confirmação pode haver de que esta senhora está certa?!

A vida e a morte são inevitáveis para todos nós. Mas a liberdade de escolha sobre o fim é algo que muda para sempre no nosso país. 

Não podemos fugir da morte. Inevitavelmente em algum lugar, em algum momento temos que a enfrentar. Agora podemos também escolhe-la em situações extremas em que a vida deixe de fazer sentido, podendo ter alguém ao lado para nos ajudar nesse momento final.

Na minha vida já enfrentei a morte mais vezes do que gostaria. Perdi pessoas que sofreram horrores com doenças prolongadas e cuja vida se tornou tão dolorosa que até a morte se apresentava como uma grande amiga. Vidas perdidas antes de o serem. Vidas que me obrigaram a confrontar coma a impotência da minha própria existência… Não morreram por eutanásia, mas teriam sido candidatos a esta situação se as leis da altura o tivessem permitido.

Mas hoje não posso deixar de refletir sobre outras vidas sem cor e sentido, que se limitam a ser meros fôlegos à espera do momento final. Pessoas sem graves problemas de saúde, mas que quase deixam de existir, numa espécie de limbo entre a presença e ausência.

Hoje foi dada uma oportunidade de escolha às pessoas, mas que nunca seja a escolha da morte a consequência de falta de condições que promovam o bem-estar e o conforto. Que a escolha do adeus não seja condicionada por falhas nas respostas a quem sofre física e mentalmente. Que a decisão do fim nunca nasça por conveniências dum sistema coxo.

Porque a eutanásia só é uma verdadeira opção se as políticas que apoiam a morte forem acompanhadas pelas políticas que apoiam a vida.