quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Que nunca nos falte a voz


 Quando eu nasci as mulheres não votavam.

Lembro-me vagamente de ter acontecido a Revolução dos Cravos em abril de 1974. Não de pormenores desse acontecimento mas da minha mãe comentar que os militares andavam nas ruas sem perceber muito bem o que de facto estava a acontecer em Lisboa.

Mas este acontecimento, de que só tenho vagas memórias, venho alterar a minha existência enquanto cidadã e mulher. Só muito mais tarde percebi que se o mesmo não tivesse acontecido, entre muitas outras coisas, não teria a liberdade de estar aqui a escrever como estou, não poderia viajar sem autorização de pai ou marido, não poderia ter voz ativa, não poderia votar.

Também me lembro vagamente das primeiras eleições para a Assembleia Constituinte que ocorreu um ano depois. Lembro da importância desse dia, da minha mãe vestir um vestido e de eu vestir umas calças à boca-de-sino ao estilo dos ABBA, que eram a grande moda da altura. E lembro-me acima de tudo de sentir a importância dada a esse acontecimento que deu pela primeira vez voz às mulheres deste país. A história conta-nos que foram as eleições mais participadas da democracia portuguesa- 91,7%!

Eu própria votei pela primeira vez com 19 anos, e é de facto um marco da entrada na vida adulta. Admito que nem sabia bem o que estava a fazer, nem que ideologias pautavam cada uma das candidaturas, mas senti que tinha uma palavra a dizer! E ao longo dos anos nunca deixei de votar, ainda que nem sempre me identifique com algum candidato. Mas ainda assim, prefiro ser eu a optar do que deixar que outros escolham por mim.

Situações como a que está a acontecer no Afeganistão, em que às mulheres é atribuído uma importância inferior aos dos homens, em que os direitos de expressão são banidos, em que o voto e a escolha são vetados, deixam-me a pensar na fragilidade dos princípios de igualdade. Aparentemente vimemos num país que promove a mesma, mas ainda assim, considerou por exemplo necessário definir cotas para a participação das mulheres na vida politica! Pergunto-me se algum dia vão estabelecer cotas para religiões, raças, orientação sexual, etc. Confesso que cada vez que oiço aclamações de igualdade na campanha eleitoral que está a decorrer, ligo automaticamente os alarmes do contrassenso. 

Independentemente do género, cor, religião, orientação sexual, ou qualquer outra característica, somos pessoas. E é nisso está o amago da liberdade.

Que nunca nos falta a palavra.

Que aquilo que hoje assumimos como um direito adquirido nunca se desvaneça.

Que nunca nos falte a voz.

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