Quando eu nasci as mulheres não votavam.
Lembro-me
vagamente de ter acontecido a Revolução dos Cravos em abril de 1974. Não de
pormenores desse acontecimento mas da minha mãe comentar que os militares
andavam nas ruas sem perceber muito bem o que de facto estava a acontecer em Lisboa.
Mas este
acontecimento, de que só tenho vagas memórias, venho alterar a minha existência
enquanto cidadã e mulher. Só muito mais tarde percebi que se o mesmo não
tivesse acontecido, entre muitas outras coisas, não teria a liberdade de estar
aqui a escrever como estou, não poderia viajar sem autorização de pai ou
marido, não poderia ter voz ativa, não poderia votar.
Também
me lembro vagamente das primeiras eleições para a Assembleia Constituinte que ocorreu
um ano depois. Lembro da importância desse dia, da minha mãe vestir um vestido
e de eu vestir umas calças à boca-de-sino ao estilo dos ABBA, que eram a grande
moda da altura. E lembro-me acima de tudo de sentir a importância dada a esse
acontecimento que deu pela primeira vez voz às mulheres deste país. A história
conta-nos que foram as eleições mais participadas da democracia portuguesa-
91,7%!
Eu
própria votei pela primeira vez com 19 anos, e é de facto um marco da entrada
na vida adulta. Admito que nem sabia bem o que estava a fazer, nem que ideologias
pautavam cada uma das candidaturas, mas senti que tinha uma palavra a dizer! E
ao longo dos anos nunca deixei de votar, ainda que nem sempre me identifique
com algum candidato. Mas ainda assim, prefiro ser eu a optar do que deixar que
outros escolham por mim.
Situações
como a que está a acontecer no Afeganistão, em que às mulheres é atribuído uma importância
inferior aos dos homens, em que os direitos de expressão são banidos, em que o voto
e a escolha são vetados, deixam-me a pensar na fragilidade dos princípios de
igualdade. Aparentemente vimemos num país que promove a mesma, mas ainda assim,
considerou por exemplo necessário definir cotas para a participação das
mulheres na vida politica! Pergunto-me se algum dia vão estabelecer cotas para religiões,
raças, orientação sexual, etc. Confesso que cada vez que oiço aclamações de
igualdade na campanha eleitoral que está a decorrer, ligo automaticamente os
alarmes do contrassenso.
Independentemente do género, cor, religião, orientação sexual, ou qualquer outra característica, somos pessoas. E é nisso está o amago da liberdade.
Que
nunca nos falta a palavra.
Que aquilo
que hoje assumimos como um direito adquirido nunca se desvaneça.
Que
nunca nos falte a voz.
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